Tony Babalu: "Quando tudo está à mão, é difícil evoluir"


Foto: Lucas Altieri

O grande barato de Live Sessions at Mosh (2014) é o ar da espontaneidade que atravessa faixa por faixa. Conhecendo o Tony Babalu, como conheço, fiquei realmente emocionado com riffs e licks que ele registrou ali. Cheguei a questionar comigo mesmo o efeito tão apurado de um trabalho seguinte, se este continuasse naquela linha. Pois eis que esse guitarrista sensível surgiu com outra obra irretocável. Pulverizou-me qualquer pé-atrás meu. 

Live Sessions II vem com tudo, resgatando um lado atualmente tão raro de ser satisfeito. Refiro-me àquela porção do coração que pulsa mais intensamente por conta de performances instrumentais dotadas de alma. A quem pensa que disco sem vocal serve somente para criar um fundo agradável ao ambiente, sugiro o mais recente do experiente Babalu. Seus grooves, timbres e arranjos fisgam algo de bom em nós.

Troquei algumas ideias com essa fera paulistana, que ganhou recentemente o Troféu Cata-Vento 2017, de Solano Ribeiro (Rádio Cultura), na categoria rock. Leia abaixo nosso papo.

Você tem uma característica de que gosto bastante, que é a maneira como elabora seus grooves. O que te norteia tanto aos grooves?
Acho que ouvir black music desde sempre é o fator principal nessa tendência. Os riffs e as levadas dessa escola têm um veneno próprio (que antigamente chamávamos de “suingue”), de que gosto muito, especialmente das leituras percussivas dos instrumentos. Estas têm tempos e contratempos ora adiantados, ora atrasados, que quando tocados com precisão, são extremamente envolventes. 

Acho Nile Rodgers, na época do Chic, um dos exemplos mais claros dessa irresistível combinação de guitarra base com raiz negra. Algo que, quando funciona, não deixa ninguém sentado. Outro destaque nessa área é o pioneiro Phelps “Catfish” Collins (Funkadelic, James Brown). Ter escutado esses caras acabou pesando bastante nesse “norte” a que se refere.

Live Sessions II apresenta um repertório, hoje, considerado curto – seis faixas. Menos é mais até que ponto?
Hoje em dia, essa frase é cada vez mais verdadeira, sobretudo na forma de se consumir música. O tempo do CD conceitual, com encarte, fotos, ficha técnica, letras coerentes entre si e sonoridade aproximada entre as faixas, está ficando para trás – e de forma irreversível. A “obra” encurtou, as pessoas tendem a montar as próprias playlists. O suporte físico está com os dias contados, já que ouvir em streaming não ocupa espaço, além do acesso ser imediato em qualquer ponto do planeta. 

Nesse cenário de múltiplas ofertas, o período destinado a ouvir música diminuiu radicalmente, até pela concorrência de outras alternativas, como filmes, games, notícias, redes sociais, etc. “Menos” torna-se “mais” por ser mais adaptável a essa velocidade de consumo, em que ninguém parece ter tempo a perder.

Atualmente, um artista não precisa mais de um ou dois álbuns para aparecer; um único hit basta. Mesmo os 15 minutos mencionados pelo Andy Warhol décadas atrás parece tempo demais para qualquer coisa, agora.

A faixa Veia Latina, e seus mais de dez minutos, é uma viagem psicodélica moderna. Tem uma atmosfera diversa e envolvente.
Essa é uma delícia para se tocar, com seus dois acordes latinos que favorecem as dinâmicas e os solos. É o tipo de composição para se soltar, e os músicos não economizaram e fizeram um excelente trabalho – a começar pelas viradas certeiras do Percio Sapia, algumas com timbales, inclusive, passando pelo solo inspirado de órgão com som de Hammond do Adriano Augusto e pelo baixo encorpado e preciso do Leandro Gusman. 

A raiz de Vaia Latina tem tudo a ver com o Brasil, e isso facilitou bastante a execução, tanto que a parte final acabou se transformando quase numa batucada ensandecida, embora em volume baixíssimo. Essa faixa representa bem o conceito do trabalho, em termos de improviso, pois cada passada por ela soava diferente nos ensaios, e o take do CD virou mais uma de várias leituras.

Assim como Veia Latina, outras faixas me sugerem algo dos anos 1960, por acaso a nostalgia permeou sua inspiração para compor esse disco?
Vivi minha infância nos anos 1960 e adolescência nos 1970. Acredito que para todas as pessoas esses momentos prevaleçam durante a vida inteira e independentemente da importância histórica de cada década – sobretudo quando a atividade em questão é criativa. Mas não é racional; é instintivo, resultado das melhores lembranças que temos interiormente de nós mesmos, e que saltam fora na hora da criação.

Valentina, acho particularmente especial. Para mim, a música mais emblemática de Live Sessions II. Qual é a história por trás dela?
Valentina surgiu de repente, na solidão da madrugada, em meio ao silêncio quase absoluto. Foi despretensiosamente, assim que peguei na guitarra, em um dia como outro qualquer. Pensei na hora em tocá-la ao violão, mas desisti após algumas tentativas. 

É uma música difícil de ser executada por sua sutileza, e o conceito de gravação ao vivo do disco tornou essa tarefa mais complicada ainda. O resultado é que foi a faixa mais trabalhosa de todas. Até o último instante eu não tinha certeza de que conseguiria um take perfeito, apesar do apoio da banda e de todos que acompanharam os ensaios.

Na hora da gravação, apareceram o Nicholas Abdo, um pianista e violonista amigo, com sua filha pequena, Valentina. Eles entraram na sala da captação praticamente no momento da contagem inicial. Bom, parece coisa de filme, mas o que aconteceu foi que a música saiu de primeira, naquele instante, e acabou ganhando um nome!

Quando bate aquela vontade de gravar um novo álbum?
Quando temas novos começam a surgir, o que, para mim, geralmente ocorre de três em três anos. O trabalho tem início com uma gravação caseira, em estúdio portátil, com os riffs e as grades básicas da música. Esse material é enviado aos demais integrantes da banda, e depois toma a forma final em nossos ensaios.

Algumas, como Locomotiva, logo nas primeiras passadas, já estão quase fechadas, outras dão trabalho, e ainda há aquelas que só são complementadas na véspera da gravação – caso de In Black, desse disco. O processo é longo e fica tenso quando se aproxima a hora de gravar, mas no final é sempre prazeroso.

Você sente certo marasmo de novos instrumentistas bons, ou é só implicância minha?
Não sei dizer se é marasmo ou dificuldade de adaptação aos novos tempos de nossa parte, como ouvintes. Porém, a verdade é que a presença cada vez maior da tecnologia facilita bastante a vida dos músicos iniciantes, e isso, como em tudo o mais, tem os dois lados. O positivo é a praticidade e o negativo, certa inércia em procurar sonoridades por si mesmo, a partir do velho e bom ouvido. 

Quando tudo está à mão, é difícil evoluir. O crescimento geralmente está associado a desafios e dificuldades. Entretanto, se garimparmos, encontraremos gente boa. Só é preciso paciência nessa busca.

O brasileiro ainda escuta guitarristas pela música, e não para babar o ego virtuose alheio?
Talvez por ambas as coisas, meu caro Henrique. A questão principal provavelmente seja a importância cada vez menor da guitarra no que se faz atualmente, excetuando-se classic rock e suas vertentes. Por esse aspecto, penso que pouco importa o motivo, desde que o assunto ainda seja guitarra ou guitarristas.

Qual é o principal legado que você acredita que irá deixar?
Espero que seja a aposta na música instrumental que tenha como escola o rock, o blues e a black music, oferecendo outras opções a esse gênero dominado pelas variantes de fusion, jazz e música regional – sem, porém, desmerecê-las.

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